28.11.08

Hedwig and the Angry Inch

Uma mulher de aparência incomum caminha rapidamente para uma porta. Seu ostentoso cabelo, estilo “Farah Fawcett” plastificado chama atenção. Ela entra num bar sujo, do tipo “beira de estrada freqüentado por famílias”, abre suas asas escandalosas e, ao som de estrondosas guitarras, se apresenta: “Você não me conhece, Kansas City. Eu sou Hedwig!.

As próximas cenas são uma composição extasiante, repleta de emoção, deslumbramento, ódio, humor, amor... Assim é Hedwig, a protagonista do musical que contém a trama mais inusitada e original dos últimos tempos.

Hansel nasceu na Alemanha Oriental, se apaixonou por um soldado estadunidense, fez uma cirurgia de troca de sexo para se casar e fugiu para a “terra da liberdade”.

O jovem que cresceu ouvindo a rádio das forças armadas – Debbie Boone, Anne Murray, Toni Tenille, Iggy, Lou, Bowie... – se transforma em Hedwig. Entretanto, a cirurgia, mal sucedida, o deixa com as genitais deformadas. Fato descrito furiosamente na elétrica “Angry inch”.

Já nos EUA, ele sofre outras maneiras de mutilação, se tornando uma pessoa amarga, solitária, desiludida e também o maior fenômeno atual do glam rock, ou quase...

Tommy Gnosis, um moleque de aparência andrógina, porém menos chocante é o fenômeno. Ele foi instruído e batizado no mundo do rock por Hedwig e começou a fazer sucesso após terminar o relacionamento que tiveram.

Homossexual, travesti, transexual... é difícil relacionar Hedwig a categorias. Ela é símbolo de dualidade, inclassificável, platônica e real. Define o amor como a busca da outra metade, foge da cidade dividida, mas encontra apenas separações. Uma mulher ou um homem que procura compreensão, sem mudar o jeito de ser, para se enquadrar ao “normal”. No fundo o que ela representa e sonha não está tão distante do que todos nós desejamos diariamente: encontrar-se e entender-se como uma pessoa inteira

O filme do diretor, roteirista e ator John Cameron Mitchell – de Shortbus – é uma espécie de ode ao glam rock e uma representação peculiar de como a sexuliadade é complexa e pode ser ao mesmo tempo dor e delícia.


Curiosidades:

John Cameron Mitchell começou a interpretar Hedwig em espectáculos de cabaré, depois passou para circuito off-Broadway.

Podemos considerar o filme como um descendente de “Velvet Goldmine” (1998), de Todd Haynes.


Publicado por Geanini Hackbardt

19.11.08

Pudor é a forma mais inteligente de perversão

"Amarelo das doenças, das remelas,
dos olhos dos meninos,
das feridas purulentas,
dos escarros,
das verminoses,
das hepatites,
das diarréias,
dos dentes apodrecidos...
Tempo interior amarelo. Velho, desbotado, doente."

Renato Carneiro Campos: Tempo Amarelo

Amarelo Manga é um mosaico de cores, texturas, sombras e movimentos que ressalta um universo rico, palpável e pulsante. Aos olhos distanciados da realidade "amarela manga", o filme se aproxima do grotesco, do animalesco; como um nó na garganta que não desata. Dirigido por Cláudio Assis, Amarelo Manga é seco, fala do povo, do povo brasileiro, mesmo sem tocar na aridez dos filmes nacionais costumeiramente vistos. É tão nordeste quanto é Brasil: dos subúrbios, da escassez, da miséria, dos palavrões, da sacanagem, da religiosidade, da sexualidade!

Inserida no contexto do Recife Contemporâneo – decadente, marginalizado, tumultuado e sujo, a trama se passa em um velho hotel, o Texas, e no Bar Avenida por onde os personagens do filme surgem como se já estivessem vivos, sem necessitar de nenhuma introdução. E enredam-se numa vivência melodramática de atitudes que extraem dos clichês amorosos e dos gestos espalhafatosos, uma série de possibilidades de solução para suas carências emocionais, porém, mergulhada em contradições.

Lígia, interpretada por Leona Cavalli, é a dona do Bar Avenida. Uma mulher forte, sensível e angustiada com a rotina mesquinha a qual é submetida. É bonita, da cor da manga, mas não suporta as chateações dos bêbados no seu bar, por isso vive só. Isso fica muito claro quando ela diz bem no iniciozinho do filme: “Devia ter encontrado alguém que me mereça, só se ama errado nesse mundo!”. Mal amanhece o dia e Lígia já está de pé – cena inicial do filme. Acorda, se olha no espelho, coloca uma roupa qualquer e abre o seu bar. Arruma mesa por mesa, até chegar o primeiro cliente, a primeira cerveja, e o dia anoitecer – a noite é a melhor parte do dia! “No outro dia, é tudo mesmo a coisa.”. Apesar da reclusão em que Lígia faz questão de se incluir, ela é sempre provocada por pessoas que freqüentam o seu bar. Isaac é um deles! Contrabandista, traficante e apaixonado por atirar em pessoas mortas. Isaac consegue sentir o cheiro e a textura da morte, a ponto de balbuciar-se sobre um defunto. No filme, ele comercializa corpos a troco de drogas.

Lígia no Bar Avenida


Lígia e Isaac no bar
Dunga, interpretado por Mateus, trabalha como cozinheiro no Hotel Texas. Ele representa o homossexual do subúrbio, é a “bichinha”, usa roupas justas e é carinhoso e delicado como uma mulher. Apaixonado por Canibal, Dunga faz de tudo por ele, desde “trabalhos” no terreiro de Candomblé a provocações, armadilhas. Apesar disso tudo, Canibal sabe muito bem o que quer, o que gosta: mulher. Por isso tem duas, a sua esposa Kika - interpretada por Dira Paes, dedicada, amável e religiosa, e Daise, sua amante, sua parceira de cama. Cria-se, portanto, dois esteriótipos da figura feminina neste momento: a mulher dedicada e pura, que usa roupas largas, compridas, cabelos presos, preservada; e a mulher reprodutora, carnal, sedutora, boa de cama, a prostituta, o fim do dia. Canibal ama sim Kika, mas não consegue possuí-la, já a Daise é vista como algo passageiro, mas não consegue livrar-se dela. Canibal trabalha em um matadouro. A cena mais dura e indigesta é quando mostra um boi sendo cruelmente morto. Não foge nenhum detalhe à câmera, tudo é capturado. Confesso que foi muito mais angustiante assistir a esta cena do que outras tão fortes como a do estupro, de Irreversível. O conflituante é que Kika não suporta carne e tem enjôos ao cozinhá-las para Canibal. É como se o símbolo “carne” fosse tão pecaminoso como o ato sexual, carnal, o qual Kika, como uma religiosa fervorosa, condena.

Dunga



Canibal
Outro personagem importante do filme é o Padre, morador do Texas, possui uma pequena Igreja. É o “filósofo” da favela. Desiludido, o padre não acredita mais nas pessoas. “O ser humano é feito de sexo e estômago”. O amor? O amor está acima de tudo. Na cena em que Dunga o pergunta sobre o amor, se tudo pode ser feito por sua causa, ele diz que sim, “até mesmo a morte”. Mas não nega os prazeres do corpo. Quando uma das moradoras do Texas se engasga durante o almoço, ele não perde a oportunidade de tocar seus seios. Essa mesma moradora sofre de problemas respiratórios, mal sai do quarto porque não agüenta ficar sem seu inalador. E como toda outra qualquer mulher, apresenta carências sexuais e utiliza seu inalador como um vibrador.
Na medida em que Assis apresenta seus personagens, as histórias entrelaçam-se até chegar no momento crucial do filme. Dunga arma uma cilada para Canibal. Ele maliciosamente descobre o encontro entre Daise – já furiosa com a sua situação de amante – e Canibal, e assim, envia uma carta através de um menino do bairro para Kika, avisando sobre a traição. Dunga sai mais cedo do trabalho, se arruma no meio do caminho e vai ao encontro de Daise, próximo ao porto. Os dois começam a discutir, mas Dunga dobra Daise com beijos, carícias, sexo. Kika, desacreditada, vai até o local. De longe espiava tudo, até não agüentar mais – não concebia a traição – e armou um escândalo: arrancou um pedaço da orelha de Daise. Arrancou o pedaço que acabaram de arrancar-lhe do coração. Desesperada, Kika não volta para casa. Enquanto isso, no hotel Texas, seu Bianor, dono do hotel, falece. Dunga fica responsável por todas as providencias: papelada, velório, caixão. A morte assombrava o hotel e a todos, exceto Isaac que pegou no sono após a porrada que levou de Lígia. Dunga até tentou acordá-lo, mas Isaac não é um homem fácil de lidar, arrogante, presunçoso, só pensava em Lígia, e na vagina em que ela o mostrara no bar - vide capa do filme. Durante o velório, Isaac se estremece ao ver o corpo de seu Benor, mas não era aquele o seu lugar.
Quando voltava para casa, Kika encontra Isaac no carro, entrou no carro e se entregou a ele como talvez nunca tenha se entregado a Canibal. Transaram a noite inteira. Gritos, sussuros, de frente, de lado, de quatro. Entrega mútua: Isaac se rende ao prazer do corpo, do anus. Existiam naquele quarto apenas dois corpos cientes do prazer que o corpo podia proporcionar. Nada mais.
Na manhã seguinte, Kika vai ao salão. No meio do caminho, solta os cabelos, a blusa, a crença e tudo o que há anos a prendia. Pede para cortar e tingir o cabelo. “Somente as pontas? Um loiro escuro?” “Não, eu quero é amarelo, amarelo manga”.

13.11.08

Primavera e sexualidade

Ouça o podcast "Primavera e Sexualidade" produzido por Bárbara, Geanini e Talita (por "coincidencia" colaboram com o blog!), que consiste em uma entrevista com Raul Gondim, coordenador do grupo Primavera nos Dentes, e várias dicas de filme!
Ficha Técnica:
Roteiro: Bárbara Gegenheimer e Talita Aquino
Edição: Bárbara Gegenheimer, Geanini Hackbardt e Talita Aquino
Produção: Bárbara Gegenheimer
Sob orientação do Prof. Carlos d'Andréa